Giorgia
— OK, qual gêmeo é qual mesmo?
Mesmo com o barulho constante do bar no aeroporto, consegui ouvir perfeitamente a risada maliciosa da minha melhor amiga, Lily, alta e clara pelo telefone.
— O que foi tão engraçado? — perguntei, tomando mais um gole do meu Bloody Mary. Sentei-me melhor na cadeira, sentindo o peso da ansiedade apertar o peito. Eu realmente estava prestes a pegar um avião para passar o verão trabalhando como babá... na maldita Riviera Francesa?
Amy, com seu rosto lindo e iluminado aparecendo na tela do meu celular, se recompôs aos poucos.
— Nada, nada… é só que você tá agindo como se fosse fazer a prova da OAB ou algo do tipo.
— Ué, eu gosto de estar informada! Principalmente quando estou prestes a começar um trabalho gigante como esse.
Dei mais um gole, deixando o sabor da mistura salgada e picante envolver meu paladar antes de engolir. Parte de mim queria pedir outro — com álcool dessa vez —, mas me conheço bem o suficiente pra saber que bebida e avião não combinam.
— Além disso, qualquer informação que você quiser sobre os caras tá nas redes sociais. Se você tivesse uma conta, qualquer uma, poderia ler tudo sobre o meu pai e os meus tios como uma pessoa normal.
Soltei uma risada, e Lily riu junto comigo no FaceTime.
— Vamos lá, você sabe que eu sou tudo, menos normal. E redes sociais são uma perda de tempo total. Quer dizer, você realmente quer que eu poste uma foto minha pra quê? Pra um monte de gente aleatória clicar num coraçãozinho e eu ter uma microdose de dopamina por... o quê, um segundo?
Lily revirou os olhos, mas estava sorrindo.
— Sem contar os pervertidos que provavelmente fariam sabe-se lá o quê olhando pra essas fotos. — Estremeci só de imaginar.
Me recostei na poltrona, lançando um olhar pela parede de janelas do terminal. Lá fora, um avião imenso deslizava devagar pela pista, com as luzes nas asas piscando contra a escuridão da noite.
— Eu conheço esse olhar — disse Lily. — É o seu clássico "tô questionando todas as minhas escolhas".
— É tão óbvio assim?
— Só porque te conheço há mil anos. O que foi agora?
— Só estava pensando... e se eu tiver cometido um erro aceitando esse trabalho?
— Como assim? Um verão na Riviera Francesa? A maioria das pessoas venderia a alma por isso!
— Sim, mas a maioria das pessoas não adiaria o emprego dos sonhos pra aceitar isso.
Lily fez um som debochado e acenou com a mão como se espantasse uma mosca.
— Ah, para com isso. Você sabe que o MET está morrendo de vontade de ter você lá. Você fala como se fosse uma artista consagrada. Mas você é só... uma recém-formada com diploma de História da Arte.
— E de Letras, não esquece. — Ela ergueu dois dedos com orgulho.
— Dois diplomas, garota. Você não é pouca coisa, não.
Amy se recostou na cadeira e pegou sua caneca vermelha gigante de chá, levando-a aos lábios.
— E além disso, você perguntou se podia começar no fim do verão e eles disseram que tudo bem. Sem drama.
— Tá, mas e se for um teste? — perguntei, apertando o copo entre os dedos. — Tipo... um teste secreto de comprometimento. Eles dizem que tudo bem esperar, mas na verdade estavam esperando que eu largasse tudo e começasse na hora. E agora, por causa disso, já tô reprovada.
Lily soltou uma gargalhada tão alta que chamou a atenção de alguns clientes próximos, mesmo através do microfone do meu celular.
— Você é tão paranoica, socorro! Se fosse assim, eles simplesmente não teriam te oferecido a vaga. Ponto. Essa vaga é sua, e você precisa parar de duvidar disso.
Antes que eu pudesse responder, uma notificação apareceu no topo da tela. Meu estômago deu um nó só de ver o nome.
Mark: Podemos conversar por cinco minutos? Por favor?
Minha expressão deve ter mudado na hora, porque Lily arregalou os olhos.
— Ah, não... o que ele quer agora?
Revirei os olhos e suspirei, tentando decidir se respondia. m*l tive tempo de pensar e já chegou outra mensagem.
Mark: Só cinco minutos. Quero te fazer uma pergunta. Por favor...
Logo em seguida, um emoji sorrindo e dois corações.
— Ele tá tentando me fazer falar com ele — comentei, irritada. — Tá com aquele papo de bom moço de novo.
Amy bufou.
— Sorte nossa que a gente já sabe que esse teatrinho do cara legal é só fachada. Depois vem a ladainha tóxica. Bloqueia esse número logo!
Suspirei e deixei o celular de lado, bem na hora em que outra mensagem chegou. Nem me dei ao trabalho de ler — apaguei na hora.
— Espero que, quando ele perceber que vou passar o verão fora, perca o interesse. Se não, pelo menos estarei a um oceano de distância. E quando voltar, estarei em Nova York.
— Exatamente! O Mark é passado. Agora, seu foco tem que estar todo no futuro. Sério... o MET, amiga! Você devia estar surtando de empolgação!
Sorri, aliviada por ele não ter mandado mais nada. Voltei meus pensamentos para o que realmente importava.
— Ainda parece um erro. Como se alguém tivesse confundido meu nome com o de outra pessoa.
— Isso aí é a Síndrome da Impostora gritando, tá? Eu te conheço, o que significa que vi com meus próprios olhos o quão talentosa você é, e o quanto você se esforça. Era óbvio que iam querer você!
Minhas bochechas ficaram quentes. Nunca fui boa com elogios.
— Obrigada, Li...
— De nada. Mas sério. Você merece cada coisinha boa que tá acontecendo. E ainda nem começou o verão...
— Obrigada. Sério mesmo. Mas, se você continuar, vou ter que te dar uma bronca enorme.
Lily deu uma risada.
— Ok, tudo bem, parei!
— E além disso, em vez de ficar inflando meu ego, eu devia era estar perguntando mais sobre a sua família, né? Já que vou passar o verão todo com eles...
— Certo, minha família... — ela fez uma pausa, como se estivesse tentando decidir por onde começar. — Meu pai, bom, você já sabe o suficiente sobre ele.
Eu ri.
— Ah, claro. Átila Langford, gênio da tecnologia, bilionário, excêntrico e tudo mais.
Lily riu de volta.
— É, isso aí resume bem.
Abri a boca para perguntar sobre os tios dela, mas então meu olhar foi distraído por alguém do outro lado da sala.
Um homem. Alto, ombros largos, cabelo loiro-arenoso meio bagunçado emoldurando um rosto com ângulos perfeitos e um maxilar bem definido. Os olhos dele eram estreitos, observadores, mas havia um sorriso malicioso pairando em seus lábios. Ele vestia uma camisa Henley verde-escura que abraçava seu peito largo, com alguns botões abertos revelando um vislumbre do tórax firme. A calça chino azul-marinho completava o visual casual, mas incrivelmente charmoso. As mangas da camisa estavam arregaçadas, revelando antebraços fortes, definidos, do tipo que parece que poderia carregar você sem esforço algum.
Ele estalou os dedos para chamar o barman com uma calma confiante que me fez arquear uma sobrancelha. A mulher foi até ele num segundo, visivelmente corada — o que deixava claro que eu não era a única que tinha notado o quanto ele era bonito.
— Ei! Alô? Terra chamando! — a voz de Lily me chamou de volta à realidade. — Você ficou muda do nada.
— Ah! Foi m*l — balancei a cabeça, tentando voltar ao momento.
Lily sorriu, sacana.
— Ele é bonito, né?
— O quê?
— Você me ouviu. Eu conheço esse olhar — é o clássico "um cara inacreditavelmente gato acabou de entrar na sala". Vai, descreve!
— Não existe cara inacreditavelmente gato... — eu tentei, mas nunca fui boa em mentir.
— Aham, sei — ela riu. — Bom, vá se organizar aí pro voo. Me manda mensagem quando tiver sinal de novo.
— Pode deixar. E se eu não conseguir fechar negócio com ele, passo seu i********:?
— Isso, garota! Nada de desperdiçar oportunidades — brincou ela. — Voa com segurança!
Nos despedimos e desligamos. Soltei um suspiro, sentindo o peso da situação se acumular no meu peito. Em poucas horas, estaria a milhares de quilômetros de casa, num lugar completamente novo, dividindo o teto com três homens e cuidando de uma criança de dois anos por todo o verão.
Assustador? Um pouco. Mas se tem uma coisa que eu aprendi na vida, é que as melhores experiências sempre vêm acompanhadas de um friozinho na barriga.
Risadas soaram do outro lado do bar, e meu olhar voltou para ele — o homem bonito. Ele estava conversando com o barman, e algo que disse a fez rir. Aquele sorriso dele continuava lá, do tipo que dizia: sei exatamente o que estou fazendo.
Quanto mais eu olhava, mais familiar ele me parecia. O que era estranho, porque eu tinha certeza absoluta de que nunca tinha visto aquele rosto antes. E um rosto daqueles, eu com certeza lembraria.
Foi então que ele levantou o copo na minha direção, olhando diretamente nos meus olhos, e sorriu. Não um sorriso qualquer — era um sorriso como se ele soubesse que tinha me pegado admirando-o.
Minha reação foi... absolutamente desastrosa.
Arregalei os olhos, peguei o celular numa pressa ridícula e quase derrubei meu Bloody Mary no processo. Deslizei a tela, fingindo estar verificando algo importantíssimo, mas era só a página do aplicativo de notícias. Eu não ousei olhar para cima.
Enquanto deslizava entre manchetes aleatórias, pensei por um segundo que talvez a Lily tivesse razão: talvez eu devesse mesmo ter algum tipo de presença nas redes sociais. Eu odiava a ideia de me expor, de compartilhar minha vida com estranhos. Mas... e se fosse útil para distrair olhares invasivos como o dele?
Foi então que uma voz profunda cortou o barulho suave ao redor.
— Se importa se eu me juntar a você?
Meu coração praticamente parou. Meus dedos congelaram no meio do movimento e eu senti meus olhos se arregalarem de novo, como numa cena de comédia romântica r**m. Levantei o olhar devagar, como se estivesse me preparando para levar um susto.
Era ele. O homem que eu estava — vamos ser honestos — secando há vários minutos. Ele estava ali, a poucos passos da minha mesa, com aquele maldito sorriso ainda no rosto.
E olha... de perto ele era ainda mais bonito. Um absurdo de bonito. Era como se um escultor tivesse decidido criar um deus grego moderno e jogado ele no meio de um aeroporto.
— Hum... claro!
Ele riu baixinho, como se percebesse meu constrangimento e achasse isso discretamente divertido. O homem deslizou para a cadeira ao meu lado com uma suavidade impressionante — um contraste enorme com o caos interno que eu estava sentindo.
Ele se recostou, a própria imagem da autoconfiança.
— Não pude deixar de notar que você estava quase terminando esse Bloody Mary.
— Hã? — Sem nem pensar, me inclinei pra frente, levei o canudo aos lábios e suguei os últimos resquícios da bebida, fazendo aquele som alto e meio vergonhoso. — Ah... acho que sim.
— Se importa se eu pedir outro pra você? O barman tá terminando o meu agora.
— Ah, tudo bem. Outro parece ótimo.
Ele sorriu e assentiu, voltando o olhar para a barman e erguendo os dedos mais uma vez. Ela veio num segundo, com uma expressão quase animada — como se uma parte dela esperasse que ele fizesse algum convite indecente ali mesmo. Quando percebeu que ele estava falando comigo, sua feição se fechou um pouco.
— Pode trazer meu próximo aqui. E pra ela... — Ele apontou com naturalidade em minha direção. — Outro Bloody Mary?
Fiquei surpresa. Era bom ver que ele se importava em perguntar o que eu queria, em vez de simplesmente pedir algo por mim, como tantos caras que se acham irresistíveis fazem. Pensei por um segundo. A ideia de mais suco de tomate no estômago não parecia nem um pouco atraente.
— Vodka com club soda e um toque de limão, por favor.
Minha regra era clara: nada de álcool antes de voar. Mas, naquele momento, o que eu mais precisava era algo para acalmar os nervos.
A barman assentiu e saiu. Assim que ela se afastou, percebi que era minha deixa para me apresentar como uma pessoa minimamente funcional.
Estendi a mão para ele.
— Giorgianne Sterling. Mas todo mundo me chama de Giorgia.
Assim que pronunciei meu nome completo, algo no rosto dele mudou completamente. Ele me olhou com uma expressão estranha, quase perplexa, como se não conseguisse acreditar no que tinha acabado de ouvir.
— Você disse... Giorgianne Sterling?
— Sim. Não sou super fã do nome ou algo assim, se é isso que tá pensando.
— Não, não é isso. Na verdade, é um nome lindo. Só que... — Ele balançou a cabeça levemente, com uma risada de surpresa. — Eu estava ali do outro lado do bar tentando entender por que você me parecia tão familiar. Assim que disse seu nome... tudo fez sentido.
Ele pegou minha mão.
— Meu nome é Atlas Langford. E... acho que a gente vai passar o verão juntos.
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