Mayara Campbell
Sabe quando a vida perde completamente o sentido? Quando até respirar parece errado? Pois é. Essa sou eu. Mayara Campbell. Vinte e oito anos. Casada. Mãe. E um completo vazio.
É a enésima vez que passo por essa ponte. Sempre a mesma voz, sussurrando baixinho no meu ouvido: Pula.
E talvez eu pulasse, se não fosse por ele. Meu filho. Meu pequeno Anthony. O único que ainda me mantém de pé — mesmo que eu ache, às vezes, que ele merecia uma mãe melhor. Uma mãe inteira. E não esse resto de gente que eu me tornei.
A verdade é que eu me sinto um erro ambulante. Uma mulher quebrada, um lixo emocional que já nem lembra como era sorrir de verdade. Sei que existem pessoas enfrentando tragédias muito piores. Gente que luta pela vida todos os dias. Mas essas pessoas são fortes. E eu... eu só estou cansada. Tão cansada.
Minha vida nunca foi perfeita. Sempre teve seus buracos, seus gritos, suas noites frias. Mas tudo desabou de vez no dia em que tomei a pior decisão da minha vida. Uma escolha estúpida em um momento de fraqueza.
Eu só queria ser ouvida. Ser enxergada. Queria carinho, atenção. Queria me sentir amada como nos romances turcos que eu assistia escondida de madrugada. E quando não encontrei isso no meu casamento, me deixei levar.
Não traí fisicamente, mas comecei a conversar com outro homem. Um amigo virtual. Ele me ouvia. Me fazia rir. Se importava com as minhas palavras. Me dava a atenção que eu não recebia há anos. Era apenas conversa... Mas mesmo assim, destruiu tudo.
Eu ainda amava o Gustavo... Ou pelo menos achava que amava. Mas, depois daquilo, já nem sei mais o que é amor.
Ele descobriu as mensagens. Todas. Eu não tinha apagado nada. Talvez porque, inconscientemente, eu quisesse que ele visse. Talvez porque eu já estivesse gritando por socorro, mesmo sem perceber.
E então veio o inferno.
Ele me chamou de tudo. Tudo que você possa imaginar. Vagabunda foi dos mais leves. Disse que só não me bateu porque nosso filho estava ali.
E, no fundo, eu não podia nem culpá-lo. Eu sabia que estava errada. Eu destruí a confiança. Implorei de joelhos, chorei até secar por dentro. Mas não teve perdão. Só desprezo. E ódio.
Nove meses se passaram desde então.
E, todos os dias, eu sou punida. Com o silêncio. Com o desprezo. Com a indiferença de um homem que um dia me amou.
Hoje, ele só me olha como se eu fosse uma praga que ele não pode matar porque o nosso filho ainda precisa de uma mãe. m*l sabe ele que essa mãe já está morrendo por dentro há muito tempo...
•••
— Filho... Anthony, acorda, meu amor. Já está quase na hora da escola. — digo, entrando em seu quarto e acariciando seus cabelos bagunçados.
— Mãe... me deixa dormir só mais um pouquinho? — ele resmunga, virando pro outro lado.
— Não dá, querido. Só faltam trinta minutos. Ainda precisa escovar os dentes, se vestir e tomar café. Vamos, levanta. — forço um sorriso.
— Ughr... — reclama, como sempre.
Deixo sua roupa pronta e vou direto para a cozinha. Coloco a comida do Gustavo na mesa, como faço todas as manhãs.
— Bom dia. — digo, ao vê-lo entrar.
Ele não responde. Apenas senta. Olha para o vazio, esperando o café que eu sirvo como uma funcionária qualquer. Me sento à frente, com vontade de falar. Mas medo de ouvir.
— Gustavo... a gente vai continuar assim? Me perdoa... por favor. Vamos tentar de novo?
Ele ergue os olhos, e sua resposta é um soco sem mãos.
— Você quis assim.
— Amor... por favor. Esquece isso, tenta me enxergar de novo. Vamos tentar ser o que éramos?
— NUNCA! — grita, com fúria. — Se eu ainda continuo aqui, olhando pra sua cara, é pelo nosso filho. Só por ele.
As lágrimas me traem. Caem. Silenciosas, teimosas. Mas não há como segurá-las.
É nesse momento que Anthony entra na cozinha.
— Já tá chorando de novo, mãe?
— Não, meu bem... — digo, limpando o rosto com pressa. Mas ele não se convence.
Ele se aproxima, toca meu rosto com carinho e diz:
— Tá sim.
Gustavo lança um olhar frio. Levanta-se da mesa, lança um comentário venenoso:
— Não sabe nem preservar o próprio filho.
E sai.
Anthony toma o café depressa. Coloca a mochila e vai até o carro.
Eu fico ali. Sozinha. Com o peito rasgado por dentro.
Mais um dia. Mais um dia fingindo que estou viva.
•••
Não vou para a academia hoje. Nem ontem. Nem sei quando fui da última vez. Não vejo sentido.
Arrumo a casa, lavo a louça, coloco a roupa na máquina. Preparo o almoço. Depois vou para o trabalho — uma loja de roupas. Sou vendedora.
Das feias.
Pelo menos é assim que me sinto. Um espantalho humano, com olheiras profundas de quem não dorme e olhos vermelhos de quem chora toda madrugada.
Já nem sei mais quem sou.
Só sei que um dia fui Mayara Campbell. E agora sou só... um erro.
(*****)
— Mãe, já cheguei. — Anthony anuncia, largando a mochila no chão e se jogando no sofá como se o peso do dia estivesse estampado em seus ombros magros.
— Vai tirar o uniforme e vem almoçar, filho. — digo, tentando manter um tom neutro, quase maternal.
— Tô sem fome...
Sua voz vem baixa, cansada, e me corta como uma faca cega. Queria insistir, mas não tenho forças para discutir.
Não respondo. Apenas observo, em silêncio, enquanto Gustavo passa por mim na direção da cozinha.
Ele não me olha. Não dirige uma única palavra. Passa como se eu fosse um móvel. Um borrão. Um incômodo.
E, sinceramente? Ele está no direito dele.
Eu mereço.
Foi a minha escolha. Meu erro. Minha culpa.
Sirvo a comida em silêncio. Ele senta. Anthony também.
Eu me junto a eles, e o silêncio pesa como uma pedra sobre a mesa.
Sabe aquele silêncio que grita? Que sufoca? Que denuncia tudo que está errado?
É exatamente esse.
E o pior... é saber que meu filho está ali, no meio disso tudo.
Ouvindo, sentindo, absorvendo cada farpa que voa sem som.
— Se não queria que ele passasse por isso... não devia ter conversado com outro homem.
Minha consciência grita, c***l.
Baixo a cabeça.
Engulo em seco.
E, mais uma vez, fico em silêncio.
Porque ela está certa. E eu? Eu fui burra demais para perceber antes.
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